18.4.09

O velho da Tabacaria

Seu Arlindo é dono de uma Tabacaria. Todos os dias, lá está ele abrindo porta, limpando as coisas, botando ordem no lugar. Espaço pequeno pra tantas bugigangas, que foram se acumulando durante os anos. Jornais velhos, caixas de papelão, cadeiras, ferramentas. Dizia ele que não gostava do vazio. Por isso, preenchia os espaços com coisas velhas.
Depois de terminado o serviço, ele puxa uma cadeirinha em frente ao estabelecimento e permanece ali o resto do dia. Ele observa tudo, com seus olhos de águia. Arguto e sábio como ninguém. E faz comentários, para os que ali passam, como se ele fosse dono do mundo, e como tal, pudesse fazer alguma coisa para melhorá-lo.
De repente, passa uma mãe puxando a filha pelas orelhas, e olha ele todo enervado, se levantando da cadeira, gesticulando com as mãos, dizendo que aquela lá não nasceu para ser mãe. Tanta gente querendo ter filho e não podendo, essa daí não cuida dos que tem.
Logo, um andarilho estrupiado passa pedindo esmola. É tanta desgraça, minha filha, é tanta fome nesse mundo. Acho que Deus não tem coração.
E assim ele vai, se preocupando com as vidas alheias, porque com a dele não se pode fazer mais nada. Perdeu a mulher, que tanto amara. Um casamento de uma vida inteira. Tabacaria em luto. Seu Arlindo tinha desistido da vida também. Sem filhos, nem parentes por perto, estava só. Um velho triste e solitário. Mas ele sabia que ele tinha que continuar. Sem fé alguma, mas continuar.
Resolveu, então, abrir de novo a tabacaria.
Até hoje, Seu Arlindo continua lá, firme e forte, sem sorriso no rosto, mas desejando bom dia aos que passam. Distribui balas aos pequenos, porque segundo ele, temos que adoçar a vida enquanto dá tempo. Vai chegar um dia, que nem açúcar nem mel faz efeito. A vida é tão amarga, minha filha.
E a vida dele, ele já não pode adoçar.

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